Toda cultura tem a própria forma de lidar com o fim da vida. Em muitos lugares, há datas solenes para relembrar os que se foram. Em outros, há grandes festas para celebrar esses entes queridos. É o caso do Dia dos Mortos no México, país detentor da celebração fúnebre mais famosa.
Não é raro encontrar algumas representações dessa data na mídia, principalmente ressaltando imagens como caveiras e aspectos musicais. Porém, o Dia dos Mortos é mais do que uma festa temática. Essa celebração tem um valor cultural altíssimo e combina elementos de diversas culturas, tanto nativas da América Latina como vindas da Europa.
Acompanhe o artigo para aprender mais sobre essa curiosa data festiva dos mexicanos!
O que é o Dia dos Mortos?
O Día de Los Muertos, como é chamado em espanhol, é, de certa forma, um equivalente do Dia de Finados no Brasil. Ambas as versões são datas dedicadas a relembrar aqueles que partiram, tanto os entes queridos que morreram mais recentemente como aqueles que faleceram há muito tempo e não são mais lembrados.
No Brasil, a homenagem aos falecidos é mais solene. As famílias podem usar frases para homenagear seus entes que partiram e fazer discursos, por exemplo, mas a maior ênfase é em preces mais silenciosas. Porém, o Dia dos Mortos mexicano é uma época de festa, para receber os antepassados com alegria.
A importância dessa celebração é tanta que a Unesco já reconheceu o Dia dos Mortos como patrimônio imaterial da humanidade. Você já deve ter visto essa festa representada em filmes, séries ou desenhos animados, mesmo que de forma sutil.
Quando personagens mexicanos aparecem, alguns deles têm a iconografia das caveiras mexicanas e roupas tradicionais. Em outros casos, o próprio tema é o Dia dos Mortos, como no filme Viva — A Vida é uma Festa, que será abordado mais adiante.
Uma diferença fundamental em relação a muitos países com uma tradição similar é que essa festividade, na tradição mexicana, dura três dias. Ela começa no dia 31 de outubro, passa pelo dia 1ª (o Dia de Todos os Santos) e vai até o dia 2 de novembro, o Dia de Finados.
Um erro que alguns cometem por desconhecimento é confundir a data com o Halloween, já que ambos têm proximidade temporal e semelhanças temáticas. No entanto, o Dia das Bruxas é algo mais informal, que resulta de um conjunto de tradições pagãs europeias (principalmente celtas) e que enaltece o macabro de forma mais simples.
O Dia dos Mortos, por sua vez, é uma data de grande valor para uma cultura específica, em que há a celebração da vida dos antepassados. Embora exista o caráter lúdico do macabro também nessa celebração, esse não é o foco.
Qual a origem do Dia dos Mortos no México?
A forma como a cultura mexicana lida com a morte e ritos fúnebres vem de um conjunto de heranças culturais, incluindo principalmente o catolicismo europeu e os costumes astecas, que são o povo nativo da região.
Na cultura local, acreditava-se que a vida e a morte eram parte de um ciclo. Sendo assim, o fim da vida não é realmente um “fim”. Segundo a tradição, diante do falecimento de uma pessoa, sua alma passaria a residir com os deuses, o que seria motivo de celebração. Os astecas tinham um mês inteiro dedicado à celebração dessa passagem.
Com a colonização espanhola, houve uma tentativa de suprimir esse costume e substituir a celebração pela data católica, o Dia de Finados. Mas o resultado disso foi, simplesmente, a combinação das duas celebrações culturais, o que deu origem ao Día de Los Muertos.
Segundo a crença popular, nessa ocasião festiva, as almas dos falecidos retornam para visitar seus entes queridos — o que requer uma recepção calorosa.
Quais os símbolos dessa data?
Muitos dos símbolos e imagens usados no Dia dos Mortos no México são bem difundidos ao redor do mundo. Porém, nem sempre eles chegam em outras culturas com o mesmo significado. Entenda, a seguir, os principais símbolos e seus respectivos significados.
Altares
Dentro das casas, as famílias se reúnem para montar um altar dedicado a relembrar e presentear todos os entes queridos que partiram. Eles podem ter de 2 a 7 níveis, cada um com um significado específico:
- na base, ou primeiro andar, há flores, frutas e sementes como decoração;
- o segundo andar contém as fotos dos entes que estão sendo celebrados, podendo ser mais de um. Costuma incluir também pessoas que partiram mais recentemente, como no caso de morte um irmão, por exemplo.
- o terceiro inclui oferendas com as comidas favoritas dos falecidos;
- o quarto andar recebe o pan de muerto, um pão caseiro típico dessa época.
- o quinto recebe sal, para purificação;
- o sexto é dedicado a todas as almas que ainda estão no purgatório;
- o sétimo e último andar, normalmente, tem a imagem de um santo a que a família tem devoção.
Caveiras ornamentadas
Sem dúvida, as caveiras mexicanas são o símbolo mais famoso do Dia dos Mortos — tanto que comumente aparecem como representação do país, mesmo sem relação com a data.
As caveiras são outra forma de representar aqueles que partiram, tanto pessoas específicas como todos os mortos no geral. Para isso, a família escreve o nome da pessoa homenageada na testa de uma caveira de açúcar e a decora com flores e tintas coloridas, para celebrar a memória daquele ente querido.
Esqueletos
A tradição local diz que os esqueletos servem como recepção para as almas que vêm visitar suas famílias. Por isso, é comum que as casas e ruas sejam enfeitadas com esqueletos.
Flores
Levar flores para os falecidos é uma prática comum em várias partes do mundo, não apenas no México. Porém, lá, as flores têm um significado a mais: elas representam tanto a beleza da vida como sua natureza transitória.
A flor mais icônica do Dia dos Mortos é a calêndula mexicana (ou cempasúchil). Essa flor amarela é usada para representar o Sol, a luz que guia as almas dos falecidos até sua última morada, de acordo com a tradição asteca.
La Catrina
Esta representação de um esqueleto vestindo roupa de gala mexicana e chapéu de flores é um dos principais símbolos do Dia dos Mortos. Seu nome significa, literalmente, “A Caveira”.
Essa figura foi criada pelo cartunista José Guadalupe Posada no início do século XX. Sua obra, “La Calavera Garbancera”, foi feita com o intuito de zombar dos novos ricos mexicanos da época, que abriram mão de suas raízes culturais e adotaram um estilo de vida completamente europeu. A mensagem seria, basicamente, “vocês podem fugir, mas a morte vem para todos”.
Como o Dia dos Mortos é representado na mídia?
Assim como muitos outros símbolos culturais, o Dia dos Mortos também aparece e reaparece na mídia e nas artes. Às vezes, como uma representação de fundo associada ao México, mas também pode ser o tema central abordado em uma história.
Veja, a seguir, alguns filmes que falam sobre o Dia dos Mortos e mostram como essa celebração é vista ao redor do mundo.
Festa no Céu (The Book of Life), de 2014
Essa é uma animação que fala não exatamente sobre o Dia dos Mortos, mas sobre toda a cultura ao seu redor. A história é contada na perspectiva de uma turma de crianças malcriadas que visita um museu. A guia do museu resolve fazer um pequeno desvio e mostra a eles o Livro da Vida, que contém todas as histórias do mundo.
O primeiro foco está em três amigos de longa data, Manolo, Maria e Joaquim. Os três foram bem próximos enquanto cresciam, mas seguiram caminhos diferentes. Uma coisa nunca mudou: Joaquim e Manolo são ambos apaixonados por Maria.
É diante disso que Catrina, deusa adorada da Terra dos Lembrados, e Xibalba, deus trapaceiro da Terra dos Esquecidos, fazem uma aposta: se Maria se casar com Manolo, Xibalba fica proibido de intervir no mundo dos vivos, como gosta de fazer. Porém, se ela se casar com Joaquim, ele passa a dominar também a Terra dos Lembrados.
Viva — A Vida é uma Festa (Coco), de 2017
O filme conta a história de Miguel, um jovem de 12 anos que sonha em se tornar um grande músico. E o primeiro obstáculo que ele precisa enfrentar é sua família, que desaprova seu sonho, pois seu tataravô abandonou a família para seguir o caminho da música.
Diante de todos esses impedimentos e incertezas, ele decide tomar uma atitude para mudar a impressão da sua família e descobrir o que aconteceu com seu tataravô. E a oportunidade perfeita para isso é no Dia dos Mortos, quando os antepassados voltam ao mundo dos vivos para visitá-los.
Esse filme ficou bem famoso enquanto representação da data festiva, pois aborda vários aspectos da cultura mexicana em relação à morte. A obra contempla várias nuances, como quem parte em paz, quem sofre um acidente ou morte violenta e até a morte simbólica — quando alguém é esquecido.
Día de Muertos, de 2019
Uma produção mexicana, Día de Muertos é um filme de animação 3D simples, de caráter bem familiar. Ele conta sobre um feiticeiro que foi condenado à prisão perpétua após ter criado uma barreira espiritual ao redor de seu vilarejo, expurgando a morte do lugar, o que quebra o fluxo natural da vida no local.
A protagonista do filme é Salma, uma menina que nunca conheceu seus pais biológicos. O Dia dos Mortos, 2 de novembro, é uma data em que todos podem encontrar seus entes queridos que partiram, mas ela sempre foi desaconselhada a tentar.
Nessa animação, vários elementos culturais do Dia dos Mortos são introduzidos. Embora não seja uma abordagem aprofundada, é uma obra divertida e abrangente.
Até os Ossos (Hasta los Huesos), de 2001
Se você quiser ver algo ainda mais próximo da cultura local, Hasta los Huesos é uma animação do tipo curta metragem em stop motion, claramente inspirada por clássicos de Tim Burton, como A Noiva Cadáver e Pesadelo Antes do Natal.
A história toda é contada quase sem palavras, mas de forma bastante clara. Após o seu velório, um homem é levado ao mundo dos mortos, que aqui tem a forma de um grande bar, repleto de várias outras pessoas que já viraram esqueletos. Lá, ele tem que aceitar a própria morte e entender que ela não é o fim.
Ao contrário da animação Día de Muertos, o conteúdo de Hasta los Huesos é um mais adulto e conta com temas sugestivos. A obra está disponível no YouTube.
A Lenda da Nahuala (La Leyenda de La Nahuala), de 2007
Outra produção feita inteiramente no México, La Leyenda de La Nahuala é uma animação tradicional bem simples. Ela conta a história de Leo San Juan, um garoto tímido e medroso que fica apavorado quando seu irmão, Nando, conta várias histórias sobre uma mansão assombrada na cidade.
A tal mansão pertencia a Nahuala, uma mulher que todos acreditavam ser uma bruxa que está prestes a voltar a vida. E parece que isso acontece de fato, pois Nando é raptado pela bruxa e, então, Juan tem que ir até a mansão assombrada para resgatá-lo.
Toda a animação é bem remanescente do estilo clássico da Disney, com danças, música, visual simplificado e movimentos exagerados. Por ser uma produção nativa do país, os aspectos mais históricos do Dia dos Mortos ficam bastante nítidos.
Macario, de 1960
Para ver uma produção realmente clássica do Dia dos Mortos, Macario, que foi lançado na década de 1960, é uma boa referência. A obra reúne vários aspectos culturais da data e em um filme de terror que é considerado um clássico do país, chegando a ser indicado a melhor filme estrangeiro no Oscar de 1961.
A história gira em torno do pobre camponês Macario, que deseja nada além de uma boa refeição para celebrar o Dia dos Mortos. Seu pedido é atendido quando sua esposa prepara para ele um peru, mas isso também chama a atenção de três figuras: Deus, o diabo e a morte.
Quando os dois primeiros pedem que ele divida sua refeição, ele recusa. Porém, quando a morte pede o mesmo, ele atende, recebendo em troca um frasco de água que pode curar qualquer doença. Ele usa esse líquido milagroso para curar várias pessoas em sua vila, ficando mais rico que o médico local — algo que desperta inveja e chama a atenção da inquisição.
Qual é a comida do Dia dos Mortos?
Com celebrações tradicionais, vêm também muitas comidas tradicionais da época. Aqui, elas carregam um significado tanto para as famílias que se reúnem como para os rituais, pois alguns pratos são oferendas para os entes queridos que faleceram. Confira, a seguir, alguns dos mais famosos.
Caveiras de açúcar
Já mencionamos as caveiras como símbolo para representar os que partiram, mas elas vão além disso. Para celebrar o Día de Los Muertos, os mexicanos comumente fazem caveiras de açúcar, contendo chocolate e decoradas com várias cores. Algumas ficam como decoração durante a festividade, enquanto outras são servidas como doces ou colocadas como oferendas.
Mole
Essa é uma mistura artesanal feita com pimenta, várias sementes, especiarias e alguns ingredientes complementares, como chocolate. Sua preparação é bem complexa, então acaba sendo quase sempre um prato caseiro. Essa é mais uma forma para os familiares aproveitarem este momento e deixar mais uma oferenda aos que se foram.
Pan de muerto
Já mencionamos o “pão dos mortos”, um dos principais presentes deixados nos altares de família. Ele é feito para representar um crânio e quatro ossos, os quais dividem o pão em quadrantes. Isso representa as quatro direções do universo, segundo a cosmologia pré-colonial.
Como muitas receitas tradicionais ao redor do mundo, o pan de muerto é bastante personalizável. Se você passar o Dia dos Mortos no México, vai encontrar receitas feitas com vários tipos de massa, recheios e outros complementos.
Pozole
Essa é uma das receitas que sempre aparecem em datas comemorativas ao longo do ano. É um caldo feito com milho, vários temperos e, às vezes, carne de porco ou frango. Para acompanhar, também são usados cebola, pó de limão, orégano e vegetais como rabanete e alface. Para complementar o prato, é de costume servir tortilhas fritas e pimenta forte.
Tamales
Este prato lembra bastante a pamonha brasileira e é outro ícone em reuniões de família, datas comemorativas e eventos sociais. Sua preparação geralmente envolve a participação da família toda, o que gera vários momentos de proximidade. Ele é feito com uma massa à base de milho, a qual pode ser recheada com vários ingredientes diferentes.
Onde comemorar o Dia dos Mortos no México?
Como se trata de uma festa cultural nacional, o México costuma parar por inteiro para celebrar o Dia dos Mortos, o que inclui oferecer atividades recreativas para locais e turistas.
Cada região adiciona um pouco de variação aos detalhes, algumas contando com um tipo diferente de celebração e outras, com locais icônicos para realizar certos rituais. Saiba mais a seguir.
Aguascalientes
Nessa cidade, o Dia dos Mortos também é chamado de “Festival de las Calaveras” e se estica até o fim da primeira semana de novembro. Mais do que em outros lugares, a figura La Catrina é bem proeminente nos festivais locais, já que essa é sua cidade de origem. A maior atração aqui é um passeio noturno pelo Cerro del Muerto, onde são recontadas várias lendas locais.
Cidade do México
Sendo a capital do país, é de se esperar que ela carregue algumas das maiores celebrações do Dia dos Mortos. O aspecto festivo é maior na região de Zócalo, com ruas fechadas e tomadas por música, desfiles, dança e peças de teatro. Na Universidade Nacional Autônoma do México, você encontra apresentações sobre a história do feriado e seu significado.
Oaxaca
Muitas das principais celebrações do Dia do Mortos ocorrem na cidade de Oaxaca Juarez. Um dos melhores exemplos disso são os desfiles de músicos com a caracterização típica de caveiras, que são chamados de “comparsas”.
As comemorações tomam as ruas rapidamente, demonstrando uma forma diferente de lidar com o luto. Da mesma forma, também ocorrem apresentações e festividades nos cemitérios, com o local inteiro recebendo o tratamento decorativo da época.
Pátzcuaro
Nesta cidade de ruelas estreitas e arquitetura colonial, o Dia dos Mortos tende a ser um dos mais tradicionais no país. Um costume que não é mais tão seguido hoje é a Caça ao Pato, pois ele colocou a espécie em risco de extinção na região.
Como é de se esperar, as ruas ficam repletas de Catrinas, música, gastronomia e apresentações. Esse tipo de celebração costuma ajudar pessoas enlutadas a superar a dor.
Puebla
Se Aguascalientes adia o fim da comemoração, Puebla prefere começar antes, no dia 28 de outubro. Isso porque, em cada um desses dias, há um grupo de falecidos diferente que é homenageado. Em cada um dos dias, os cemitérios ficam repletos de famílias, contando com música ao vivo e oferendas.
Querétaro
O que mais diferencia o Dia dos Mortos em Querétaro é a arte. Nas ruas, as paredes ficam repletas de desenhos, poesia e fotografias que contam as histórias daqueles que partiram. As praças são transformadas em palcos públicos para apresentações de teatro, dança e música.
Tabasco
Diferentemente de muitos outros lugares no México, a cidade de Tabasco não tem tantas celebrações nas ruas. Isso porque, para eles, no dia 1º de novembro, as ruas devem ser reservadas para as almas que vêm visitar. Por isso, no dia anterior, são feitos vários altares pelas ruas.
Outro destaque é a participação ampla da população indígena local, que carrega as tradições pré-coloniais. As celebrações duram 9 dias a mais que o normal e incluem uma boa quantidade de guarapo, uma bebida artesanal local.
Mesmo para quem é do Brasil, vale a pena conhecer o Dia dos Mortos mexicano. No caso de ter um falecido brasileiro no exterior ou de você ter raízes nessa cultura, vale a pena adotar ao menos alguns aspectos dessa cultura em seu dia a dia.
O Grupo Primaveras faz questão de incluir as famílias que desejam celebrar o Dia dos Mortos de forma mais próxima à mexicana. Por isso, criamos uma celebração noturna de Finados, que persiste há 15 anos. Antes chamada de Noite das Luzes, a ocasião é voltada para eventos temáticos que ocorrem no cemitério, no dia 1º de novembro. Essa é uma forma de ajudar famílias a se manter mais próximas de suas raízes culturais.
Conhecer a forma como outras culturas lidam com o fim da vida ajuda a colocar diferentes narrativas em perspectiva. Por mais difícil que seja aceitar a morte de alguém que se ama, esse pode ser um passo importante em uma jornada pessoal, espiritual e até cultural. No caso do Dia dos Mortos no México, a morte não chega a ser vista como uma separação — afinal, a tradição afirma que as almas sempre retornam para visitar.
E você, já teve algum contato com essa festividade? Compartilhe sua experiência e sua perspectiva nos comentários!