Luto não reconhecido: quais são os principais tipos?

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O luto é um sentimento que se estende para diversas situações, inclusive para aquelas que não estão ligadas diretamente à morte. Por isso, a vivência desse estado emocional em contextos em que não ocorreu o falecimento de um parente ou de um amigo querido é tão importante quanto em qualquer outro. Contudo, quando o luto não está relacionado a situações em que é visto como legítimo, podemos ter dificuldade em processá-lo e, nesses casos, passamos a viver um luto não reconhecido.

Entenda que esse sentimento pode vir da perda de animais de estimação, em casos em que a morte de uma determinada pessoa é vista como socialmente condenável ou até de transformações desestabilizadoras na própria vida. O ponto comum entre essas situações é que todas essas formas diferentes de luto precisam ser vividas por inteiro para não acarretar problemas à sua saúde mental e física.

Neste artigo, nós vamos ajudar você a entender os efeitos desse processo interrompido, identificar as situações em que isso ocorre e conhecer ferramentas que podem ser úteis para o processamento do seu luto. Esperamos que a leitura seja valiosa!

Quais são as consequências do luto não reconhecido?

Existem certos acontecimentos que podem gerar luto, mas alguns deles são vistos pela sociedade com tabu, o que faz com que a pessoa tenha dificuldade em admitir que está vivendo esse pesar. Esse distanciamento gera problemas, pois a capacidade de expressar a vivência do luto é o primeiro passo para que ele consiga se desdobrar em uma experiência que, mesmo sendo dolorosa, pode ser construtiva e saudável.

De acordo com psicólogas do Centro Maiêutica, em entrevista ao Primaveras, viver o luto por inteiro é fundamental porque:

“(…) Quando o luto não pode ser vivenciado pela falta de rituais ou outros fatores que não permitem a passagem ou a concretude da morte, poderemos ter lutos complicados e que geram doenças mentais, cujo tratamento exigirá o atendimento por especialistas, além de apoio terapêutico.”

Ainda de acordo com as especialistas, as situações geradoras de luto não reconhecido podem ser separadas em quatro tipos:

  1. quando há o falecimento de alguém com quem o vínculo do enlutado não é reconhecido como um laço familiar;
  2. perdas não relacionadas à morte que têm sua significância diminuída socialmente;
  3. enlutamento por profissionais ou autoridades que supostamente não sentem ou deveriam sentir tanto o peso da morte; e
  4. situações em que o fato que gerou a morte é socialmente rechaçado.

Explicaremos a seguir em mais profundidade sobre cada um desses grupos.

1. Quando o vínculo não é reconhecido

A morte de um ex-cônjuge pode ser vista como algo pouco importante pelas pessoas, afinal a ligação afetiva com aquele indivíduo foi interrompida, portanto a sua perda não deveria gerar dor. Essa visão, no entanto, muitas vezes não corresponde à realidade emocional do enlutado, uma vez que, mesmo após um divórcio ou separação, as memórias daquela pessoa continuam com você. Mesmo em casos em que o término não foi amigável, o luto pode ocorrer da mesma forma.

A morte de um amigo, de um parceiro de uma relação extraconjugal, um filho adotivo, animais de estimação ou de um indivíduo com quem a pessoa tinha relações em que há preconceito desencadeiam essa dificuldade em admitir o luto. Porém, todas essas perdas são significativas para a psique humana, afinal o único fator gerador de luto é o afeto pelo falecido, seja ele humano ou animal.

2. Quando a perda não está ligada à morte

Ser demitido do emprego pode ser uma situação radicalmente transformadora na vida de uma pessoa, afinal o contexto obriga ela a reorganizar seu padrão de vida, sua rotina e até seus círculos sociais. Em situações como essa, existe um processo de luto pela vida pregressa, materializada em um pesar pelo emprego perdido ou pelo status social rebaixado.

Em linhas gerais, eventos radicalmente transformadores desencadeiam o luto, uma vez que geram uma comparação involuntária entre a nova vida e a vida antes de tal fato ocorrer, quando não se sentia o impacto daquele momento decisivo. Términos de relacionamento, a perda de um membro do corpo e até a mudança de país são situações que podem gerar esse tipo de luto não reconhecido.

Nesses casos, é muito importante legitimar a tristeza sentida pela perda da estabilidade anterior e vivê-la durante o tempo e da forma que achar necessário. Do mesmo modo, faz parte de um processo saudável construir a noção dentro de si de que a sua vida continua, sabendo que virão outras oportunidades de emprego, virão outros relacionamentos ou que será possível conviver com a limitação física e, ainda assim, ter saúde e vitalidade.

3. Quando a autoridade sente luto

Médicos são profissionais que convivem com a morte diariamente, já que perdem pacientes em seu próprio consultório ou centro de cirurgia. Por conta disso, muitos têm a noção de que especialistas da saúde não devem sentir o peso da morte, mas isso não poderia ser mais distante da realidade. Autoridades espirituais, como sacerdotes, também são alvo dessa suposição infundada, além de terapeutas.

De acordo com a pesquisadora da PUC-SP Alessandra Oliveira, é importante perceber que negação do direito ao luto pode levar à amargura, reclusão e introspecção regressiva, pois em vez de expressar a dor e a partir dela construir um novo parâmetro de identidade, a energia psíquica:

“se volta para o próprio indivíduo e para o seu sistema psíquico, desta forma ficando inacessível para a adaptação exterior e, assim, sua vida fica paralisada do ponto de vista do mundo externo”.

Assim sendo, as autoridades do mundo da saúde ou dos centros espirituais, exatamente por conviverem diariamente com a morte, precisam encontrar ferramentas para lidar com ela de maneira a reconhecer o próprio luto e acolher a dor sentida, o que pode ser alcançado com mais facilidade coletivamente.

4. Quando a situação da morte é alvo de tabu

Após a identificação do HIV e da AIDS, na década de 1960 nos Estados Unidos, passou a existir muita discriminação em relação aos pacientes dessa patologia, que na época era ligada à promiscuidade e à homossexualidade.

Essa conexão já se provou mentirosa, mas até hoje ainda há uma indisposição da sociedade ao lidar com essa e outras infecções sexualmente transmissíveis. Por conta disso, em situações em que a pessoa falecida sofreu com essas doenças, é típico que haja uma indisposição para que a dor seja legitimada. Para ilustrar melhor esse tipo de morte, podemos citar o caso de indivíduos suicidas, cuja passagem pode ser alvo de preconceitos ligados à religião.

Como expressar o luto em situações desafiadoras?

Independentemente do caso, é importante ressaltar que toda morte deve ser vivida por inteiro e os parâmetros sociais para a relevância daquele luto não devem ser o ponto de partida para qualquer sentimento decorrente da perda, e sim o sentimento exclusivo do indivíduo que ficou. O mesmo se aplica para situações que mudam o paradigma da sua vida, afinal elas só dizem respeito a você.

Para chegar nesse lugar de respeito ao próprio luto e mobilizar as suas energias de forma saudável em torno daquela perda, é possível contar com a ajuda de especialistas e também formar grupos de apoio em que o acolhimento e a escuta são os maiores imperativos. A família também pode ser uma rede afetiva fundamental nesse processo.

Caso você esteja procurando acolher alguém que está passando por essa situação, confira o que as especialistas do Centro Maiêutica têm a dizer:

“O que deve ser feito é acolher sem nenhuma regra. Escutar em vez de falar. Permitir que o enlutado fale e expresse seus sentimentos, não julgar o que o enlutado diz. Legitimar a dor sem avaliar. Oferecer suporte, cuidado e ajudar em coisas práticas”.

Esperamos que com a leitura deste texto fique mais claro para você as situações que geram luto não reconhecido, a importância de lidar com esse sentimento de frente e as ferramentas às quais você pode recorrer para garantir o acolhimento saudável dentro de você.

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