Testamento vital: o que você deve saber sobre o documento

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Para pessoas que estão em condição de saúde fragilizada, especialmente durante a velhice, fica mais difícil comunicar suas necessidades e desejos com clareza. Essa é uma questão que se torna mais importante nos casos de doença terminal, quando o paciente pode não estar mais consciente. Para assegurar que seus desejos serão cumpridos, um caminho possível é adotar o testamento vital.

Esse é um tópico que exige atenção, tanto do ponto de vista legal quanto das discussões entre os familiares. O que fazer quando uma doença se agrava, por exemplo, é uma questão bem mais delicada do que aparenta à primeira vista. Por isso, pode ser útil conseguir algum respaldo legal para fazer com que suas vontades sejam respeitadas.

Acompanhe e entenda o que é o testamento vital e qual o seu papel diante dessas questões e como você pode elaborá-lo.

O que é o testamento vital?

Também chamado de Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV), o testamento vital é um documento no qual um indivíduo especifica como deve ser conduzido seu tratamento nos casos em que uma doença ou outra condição física o impossibilitem de expressar seus desejos. Por exemplo, se uma pessoa está inconsciente devido a uma doença, seu testamento vital esclarece como e até que ponto devem ser conduzidos os tratamentos.

O testamento vital não tem a ver com o testamento de bens em vida, que é outro documento separado. O segundo é um testamento em que você define como seus bens serão distribuídos após sua morte, o que inclui beneficiar pessoas que normalmente não têm direito à herança. Ambos podem ser elaborados e assinados em momentos diferentes, sem que um interfira diretamente no outro.

Para redigir um testamento vital, você precisa ser cidadão brasileiro maior de idade e ter sua lucidez comprovada. Fora isso, há poucas restrições envolvidas.

Caso o indivíduo não seja capaz de expressar seus desejos claramente, os médicos e familiares devem consultar o documento para saber como devem conduzir o tratamento. Se houver um direcionamento claro sobre como o tratamento deve continuar e o paciente estava em total posse de suas faculdades mentais ao assiná-lo, então esse desejo deve ser respeitado. Nos casos em que não há um direcionamento claro, então a família continua responsável por essas decisões.

Um ponto importante a destacar é que, sim, esse documento também pode incluir certos tratamentos considerados importantes para a sobrevivência do indivíduo. Há questões éticas e pessoais mais complexas envolvidas, as quais vamos comentar mais à frente, mas não podemos esquecer que a negação ao tratamento também é um direito que pode ser expresso nesse testamento.

Como surgiu o testamento vital?

Essa prática teve sua origem nos Estados Unidos, e o documento foi cunhado pela Sociedade Americana para a Eutanásia em 1967, com o nome original de “living will”. Ele tinha como propósito registrar o desejo do paciente de interromper qualquer intervenção médica ao chegar em estado terminal.

Porém, ele só ganhou caráter jurídico em 1976, com o caso de uma jovem no estado de Nova Jersey. Ela entrou em coma aos 22 anos por razões desconhecidas e os exames indicavam que não havia possibilidade de reverter o quadro. Diante disso, seus pais adotivos pediram que os aparelhos fossem desligados.

O médico responsável recusou o pedido, e o caso foi levado para a justiça. A família alegava que a jovem tinha manifestado desejo de não ser mantida viva por aparelhos, mas não havia qualquer prova dessa declaração. Levou algum tempo, mas, ainda no mesmo ano, a família ganhou o direito de solicitar que os aparelhos fossem desligados.

O caso repercutiu bastante no país e levou o estado da Califórnia a aprovar o “Natural Death Act”. Com esse ato, todo paciente no país adquire o direito de pedir a suspensão de um tratamento ou recusá-lo, além de proteger os profissionais contra processos éticos por respeitar esse desejo.

O que diz a legislação brasileira?

Dentro do texto da lei, até o momento, não existe uma forma específica de se referir ao testamento vital. Ou seja, não há uma regulamentação específica para esse tipo de documento, como ele é elaborado ou suas limitações. Ao menos não no que vai além dos termos mais abrangentes da legislação.

Sendo assim, esse testamento é baseado em outros dispositivos constitucionais presentes na lei, como os do art. 1º, inciso III, da CF, que diz respeito ao princípio de dignidade da pessoa humana, e do art. 5º, inciso II, da CF, que diz que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer nada, exceto o que é exigido por lei.

Ou seja, considerando que todo ser humano tem direito à dignidade e à autonomia, os indivíduos também têm o direito de buscar meios legais para garantir que estes princípios serão respeitados. Mesmo nos casos em que o próprio indivíduo se encontra impossibilitado de comunicar seus desejos.

Qual o objetivo do testamento vital?

À primeira vista, pode parecer que essa não é uma questão tão importante, partindo do princípio de que a família tem o melhor interesse de seu ente querido em mente. Nessas circunstâncias, eles poderiam decidir o melhor caminho. Porém, na prática, as circunstâncias podem ser bem mais complicadas.

Veja aqui alguns dos principais objetivos ao se elaborar um testamento vital.

Definir quais tratamentos serão realizados

Um dos direitos que todo cidadão tem é de escolher como será tratado diante de alguma doença. Em muitos casos, há diversas opções de terapias, medicamentos ou mesmo cirurgias, as quais têm seus pontos positivos e negativos. Algumas podem ter consequências de longo prazo, recuperação demorada ou serem consideradas degradantes em certas circunstâncias.

Naturalmente, se um paciente considera que determinado tratamento viola sua dignidade, ele pode se negar a recebê-lo. Porém, nos casos em que o indivíduo não está em condições de se expressar, a família toma essa decisão, que pode ser contrária aos seus desejos.

Diante dessa situação, é possível redigir o testamento vital quando o paciente ainda está em posse de suas faculdades mentais. Assim, caso haja alguma complicação grave de saúde, haverá também um caminho pré-determinado a ser seguido pela família e pela equipe médica.

Estabelecer limitações

Outro aspecto da aceitação ou recusa de certos tratamentos é saber quais limitações o paciente deseja impor nesses processos. Como mencionamos, alguns tratamentos podem ter consequências de longo prazo, como perda de mobilidade e de disposição, o que pode impactar a qualidade de vida, equilíbrio e bem-estar e dignidade do indivíduo. Essas necessidades também devem ser levadas em conta na escolha de diferentes tratamentos.

Diante disso, também há casos em que um paciente recusa um tratamento que seria necessário para aumentar sua expectativa de vida, mas que não contribuiria com sua condição atual no dia a dia. É o caso, por exemplo, da quimioterapia usada no tratamento do câncer, que apresenta vários efeitos colaterais.

Em pacientes cuja doença está em estágio avançado, a chance de uma recuperação completa pode não ser suficiente diante das complicações causadas pelo tratamento. Para aqueles com idade avançada, pode ser que o tratamento nem ofereça um aumento relevante na expectativa de vida.

São questões delicadas, é verdade, mas que não podem ser deixadas de lado. O testamento vital é uma ferramenta para garantir que a qualidade de vida seja priorizada nesse momento, mais do que a longevidade.

Vale lembrar também que, hoje, a eutanásia é proibida no Brasil, mesmo quando o paciente expressa claramente esse desejo. Há uma série de questões éticas e legais envolvidas que vão além do próprio testamento. O que é possível é a ortotanásia: o uso de técnicas médicas para permitir que o processo natural de morte ocorra com o mínimo de dor, sendo mais comum em pacientes terminais.

Garantir o respeito de seus desejos

Quando se trata da aceitação ou recusa de certos tratamentos, é bem comum que o paciente, os familiares e a própria equipe médica encontrem alguns pontos de discordância. Uma das partes pode ser a favor de um tratamento mais invasivo, enquanto outra recusa veementemente essa opção.

Nos casos de doença grave, em que o paciente fica desacordado ou incapaz de se expressar claramente, a pessoa mais importante nessa discussão fica excluída, o que coloca seus direitos em risco. Mesmo com as boas intenções de todos os envolvidos, isso não garante que suas escolhas serão iguais às que o paciente faria.

Esse é mais um motivo para elaborar o testamento vital. Com todos os desejos expressos de forma clara e registrados de forma legal, não há engano na hora de tomar decisões com relação ao tratamento. Basta que o registro do documento seja feito corretamente e que a equipe médica responsável seja informada das decisões tomadas, para que possam atuar dentro desses desejos.

Auxiliar a família a tomar decisões

É impossível para qualquer um encontrar a resposta perfeita diante de uma situação tão delicada. Mesmo que todos pensem no que o seu ente querido iria preferir nessas circunstâncias, muitos podem discordar ou mesmo estarem enganados. Afinal, cada um tem uma relação diferente com essa pessoa.

Diante de uma decisão difícil, é melhor para todos que você já deixe seus desejos claros por meio do testamento vital. Tanto para assegurar a preservação dos seus direitos quanto para auxiliar sua família nesse momento.

Por exemplo, digamos que você passa por uma cirurgia e há uma complicação. O médico vai até a família e oferece uma alternativa, a qual envolve um risco. Com base no seu próprio testamento, todos podem decidir se você aceitaria ou não essa solução.

Quando fazer um testamento vital?

No dia a dia, você provavelmente não tem que pensar em quais seriam seus desejos ou restrições de tratamento. Porém, se há algum risco evidente à sua saúde, o qual também pode impedir você de se comunicar, o ideal é elaborar o seu testamento vital com antecedência, enquanto você ainda está em condições físicas mais adequadas.

A situação mais comum é para pessoas que têm idade avançada. Velhice não é sinônimo de monotonia. Pelo contrário, é um bom momento para explorar novas formas de ser e de agir no mundo. Porém, também costuma ser uma época de saúde mais delicada e que exige atenção. Com esse documento, você assegura que seus direitos serão respeitados.

Também é comum que esse documento seja feito por pacientes com doenças que têm uma chance razoável de impedir sua comunicação e autonomia. Se há o risco de que você fique inconsciente ou com dificuldade para raciocinar, ter seus desejos no papel será bem útil.

Em todo caso, é recomendado que você busque redigir esse documento enquanto detém todas as suas faculdades mentais. Você precisa demonstrar total ciência de sua decisão ao assinar o documento para que ele seja válido.

Como o testamento vital é feito?

Digamos que você está hoje em uma situação de saúde delicada ou já é idoso e recebe tratamentos regularmente. Se você quer garantir que algum desejo específico será respeitado, independentemente de sua capacidade de consentimento direto, então vale a pena elaborar seu testamento vital.

Veja aqui como ele pode ser montado e validado legalmente.

Conversa aprofundada sobre sua situação médica

Antes de qualquer outra atitude, o mais importante é falar com seu médico e tirar todas as dúvidas possíveis sobre seu estado de saúde, os tratamentos disponíveis e suas implicações. Essas informações são vitais para poder decidir quais tratamentos são mais adequados e quais devem ser vetados, independentemente de seu estado de consciência.

Auxílio profissional na redação do documento

Para garantir que o seu testamento vital será válido, ele precisa ser elaborado seguindo algumas diretrizes básicas previstas na lei. Por exemplo, a inclusão de documentos de identificação, assinatura, linguagem adequada e clara, entre outros fatores.

Existem modelos desse documento disponíveis na internet, os quais você pode preencher ou modificar. Porém, para garantir que não haverá nenhuma inconsistência, o ideal é contar com a ajuda de um advogado profissional em sua elaboração. Isso ajuda tanto na reunião dos documentos necessários quanto no uso da linguagem adequada para esse documento.

Constatação médica sobre autonomia do paciente

Um documento que recebe mais destaque na elaboração do testamento é a declaração médica sobre a autonomia intelectual do paciente. Como mencionamos, o indivíduo precisa estar em total posse de suas faculdades mentais durante a assinatura do documento. Assim, uma pessoa que demonstra não ter total autonomia não pode ter sua decisão validada.

O propósito dessa restrição é bem simples. Se você está em um estado mental já alterado, seja devido à doença ou como efeito colateral do tratamento, seu raciocínio pode ser comprometido. Nesse contexto, é mais provável que você tome uma decisão de forma impulsiva, sem pensar adequadamente em quais são seus interesses ou o que lhe vai proporcionar maior qualidade de vida, dadas as suas circunstâncias.

Para comprovar sua racionalidade, você pode buscar um médico psiquiatra e pedir uma avaliação. O profissional vai analisar sua situação atual, constatar seu estado mental e emitir um laudo. Ter essa declaração anexada ao seu testamento vital reduz o risco de que ele seja questionado posteriormente.

Definição de um procurador de saúde

Outro ponto importante é escolher um procurador de saúde, que é um indivíduo de sua confiança que ficará responsável por tomar decisões em relação ao seu tratamento, caso você não possa. Geralmente é um familiar próximo, que tem um entendimento razoável sobre seus desejos e o que é mais importante para sua qualidade de vida.

Parece redundante descrever claramente seus desejos e depois escolher alguém para tomar essas decisões. Porém, é impossível prever todas as ramificações de certos tratamentos, ainda mais quando sua saúde está fragilizada. Se houver qualquer complicação que não estava prevista no seu testamento, seu desejo pode não ficar claro.

Por isso, a necessidade de uma pessoa para assumir essa responsabilidade. Considerando que é alguém de confiança e que entende o que é mais importante para seu bem-estar, essa pessoa pode tomar essa decisão por você.

O mais recomendado é que esse procurador não seja um membro da equipe média atuando no tratamento, nem um possível herdeiro. Essas ligações criam conflitos de interesse e abrem espaço para questionamentos posteriores.

Preparação da documentação e assinatura do testamento

Com o testamento vital redigido e um procurador de saúde definido, o próximo passo é fazer sua assinatura. Não é obrigatório fazer o reconhecimento em cartório, mas é recomendado, pois aumenta seu valor jurídico. Também é necessária a assinatura do procurador e de duas testemunhas.

Para que o documento seja validado, o autor do testamento e qualquer outro que assinar como testemunha deve levar o CPF original, um documento de identidade com foto (RG ou Carteira de Motorista, por exemplo), além de uma Certidão de Nascimento ou Casamento.

Uma vez validado o documento, você deve encaminhar uma cópia para a sua equipe médica, que vai ser anexada ao seu prontuário médico, além de enviar para o seu procurador de saúde e qualquer outra pessoa envolvida no seu tratamento.

Há algum custo envolvido?

Para registrar o seu testamento vital em cartório e dar mais peso legal a ele, você também precisa pagar uma taxa. Ela varia de acordo com a cidade, mas o valor fica em torno de R$ 500,00. Fora isso, há o custo do serviço de um advogado ou consultas médicas, por exemplo.

Os termos do testamento vital podem ser modificados?

Digamos que você montou um testamento vital antes de começar algum tratamento. Porém, depois de algum tempo, você muda de ideia sobre quais opções considera aceitáveis ou não. Você tem todo o direito de mudar suas preferências, alterar os termos do seu testamento ou apenas anulá-lo. Nesse caso, basta repetir o processo para o registro da nova versão do documento.

Quando o testamento vital pode ser revogado?

Esse documento não tem um prazo de validade. Ele continua tendo valor legal indefinidamente, para garantir que os desejos serão respeitados. Porém, há casos em que ele pode ser anulado.

Em primeiro lugar, registrar um novo testamento vital, como ao decidir modificar alguma parte do conteúdo, anula o antigo imediatamente. Ele também pode ser revogado voluntariamente, perdendo seu valor. Fora isso, ele é considerado inválido se for confirmado que o paciente não estava em posse de suas faculdades mentais ao assiná-lo ou se a decisão do paciente for contra a Ética Médica ou a legislação brasileira. Por exemplo, se o testamento incluir um pedido de eutanásia, ele não pode ser cumprido.

O que considerar ao montar um testamento vital?

Agora que você entende como o testamento vital é elaborado e seu propósito, é hora de dar um passo para trás e pensar em quais termos você pretende incluir. Quais tratamentos vai aceitar e qual será o seu limite.

Veja aqui algumas orientações que podem ajudar a tomar essas decisões.

Quais são as condições mínimas para sua qualidade de vida

Não é comum ter que pensar em viver com o mínimo, nem no que esse “mínimo” significa para cada um. Se você tiver que excluir o máximo possível de atividades da sua vida, o que você não abriria mão de jeito nenhum? Ler um bom livro? Conversar? Caminhar pela praia? Seria um problema caminhar com um carrinho ou muletas, ou ter alguém sempre o acompanhando?

A resposta dessas questões é o mínimo que você não deve abrir mão. Se o tempo é limitado, então o mais importante é a qualidade de vida que ele proporciona. Se um tratamento lhe proporcionar mais tempo sem lhe negar esse mínimo, então ainda vale a pena.

Quais tratamentos que você não aceita

Há outras questões envolvidas na aceitação de um tratamento além de sua efetividade e efeitos em sua saúde. Às vezes, é uma questão de dignidade, cultura e costumes. Se um procedimento está além do que você é capaz de aceitar conscientemente, você tem o direito de negá-lo em seu testamento vital.

Algumas pessoas não se sentem confortáveis aceitando tratamentos experimentais, não importa o resultado proposto, independentemente da idade. Outros procedimentos podem ser contra princípios religiosos ou certas tradições. Por exemplo, você pode não querer ser mantido vivo por aparelhos caso suas chances de recuperação se tornem muito baixas.

Você não precisa justificar suas razões no testamento, mas deve deixar suas vontades claras.

O testamento vital é um documento importante para quem está com a saúde fragilizada ou a idade avançada. É uma forma simples de assegurar seus direitos, mesmo quando você não estiver mais em condições de responder diretamente. Porém, ele exige que você pense nessas questões o quanto antes.

O que você achou de todas essas orientações? Já tinha pensado sobre essas questões antes? Compartilhe sua experiência conosco nos comentários.

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