Luto parental: quando um pai ou mãe perde um filho

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Perder um filho é uma das experiências mais absurdas, dolorosas e injustas que um ser humano pode enfrentar. E, para muitas pessoas, ela foge do “ciclo natural das coisas”, o que faz com que possa ser ainda mais difícil.

Por conta disso, é possível dizer que o luto parental rompe a ordem natural da vida, deixando marcas profundas e exigindo um tempo único para ser elaborado.

Recentemente, a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental (Lei 15.139 de 2025) trouxe um importante reconhecimento à dor dessas famílias, garantindo direitos trabalhistas específicos para quem passa por essa perda.

Nos próximos minutos, vamos tratar das particularidades do luto parental, como ele se manifesta em diferentes fases da vida e quais são os direitos assegurados por lei. Se você conhece alguém que está vivendo essa dor ou busca entender melhor esse tipo de luto, siga com a gente!

O que é o luto parental?

Perder um filho é uma experiência que vai contra o fluxo natural das coisas. Enquanto na vida “normal” esperamos que os pais partam antes dos filhos, o luto parental surge justamente quando essa ordem é invertida e é isso que torna essa dor tão singular.

Não importa se a criança tinha 5 anos ou 50, se a perda foi repentina ou após longa doença: o que define o luto parental é justamente o peso dessa ausência que rompe com todas as expectativas. Muitos pais descrevem essa dor como um “luto sem fim”.

Pesado, não é mesmo?

O que muita gente não entende é que esse tipo de luto não segue um manual. Enquanto outros processos de luto podem encontrar certo “reconhecimento social” (como quando alguém perde os pais já idosos), o luto parental muitas vezes é silenciado, seja porque as pessoas não sabem o que dizer, seja porque a própria intensidade da dor assusta.

Se você está passando por isso ou conhece alguém nessa situação, é importante lembrar: não existe certo ou errado na forma de sentir.

Por exemplo, alguns pais encontram conforto em manter viva a memória do filho, outros precisam de tempo antes de conseguir falar sobre o assunto. O que realmente importa é respeitar esse processo único, sem julgamentos ou prazos impostos.

Por que o luto parental é um dos mais difíceis?

Existem lutos que desafiam qualquer explicação, e a morte de um filho está entre as experiências mais cruéis que um ser humano pode enfrentar.

Primeiro, há uma violação daquela ordem natural que sempre nos confortou, como já foi mencionado: ou seja, a ideia de que os pais partem antes dos filhos. Quando esse ciclo se inverte, é como se o mundo perdesse seu eixo. A gente não está preparado para enterrar nossos sonhos junto de um caixão pequeno.

Falando em sonhos… perder um filho não é “apenas” a ausência de quem amamos. É o futuro inteiro que desmorona: as formaturas que não virão, os netos que nunca serão embalados, aquela sensação de que o tempo roubou algo que nem chegou a existir. Cada data no calendário vira um lembrete doloroso do que deveria ser comemorado.

E então vem a culpa, aquela companheira cruel que sussurra no ouvido dos pais no meio da noite. “E se eu tivesse percebido antes?”, “será que aquele médico diferente faria diferença?” Esses questionamentos são uma tortura sem respostas, porque a vida não tem botão de retrocesso.

Como o luto parental se manifesta?

Perder um filho é uma das experiências mais devastadoras que alguém pode enfrentar. E embora cada pessoa viva esse luto à sua maneira, sem prazos ou regras, alguns sentimentos costumam surgir como marcas desse caminho doloroso.

Sentimento de raiva e de revolta

A raiva e revolta muitas vezes aparecem com perguntas sem resposta: “Por que isso aconteceu comigo?”, “O que eu fiz para merecer isso?”. São questionamentos naturais diante de um acontecimento que desafia qualquer lógica.

Tristeza profunda

A tristeza profunda pode se instalar por muito tempo, diferente de outras formas de luto. Não é “frescura” ou “fraqueza”, é o reflexo de um amor que não desaparece só porque a pessoa se foi. Muitos pais relatam que essa dor nunca vai embora completamente, somente muda de forma com o tempo.

Dificuldade em retomar a rotina

Retomar a rotina se torna um desafio enorme. Coisas simples como arrumar a casa, trabalhar ou até mesmo lembrar de se alimentar podem exigir um esforço sobre-humano. Alguns pais descrevem isso como “viver em câmera lenta”, onde o mundo continua girando, mas você fica preso no momento da perda.

Sensação de vazio

Um dos aspectos mais difíceis é a sensação de vazio, mesmo quando há outros filhos em casa. Cada criança ocupa um espaço único no coração dos pais, e a ausência de uma delas não pode ser preenchida pelas outras. Isso não significa menos amor pelos filhos vivos, apenas que o amor por cada um é singular e insubstituível.

Como funciona o luto parental nas diferentes fases da vida do filho?

Não existe “luto maior ou menor”, mas sim processos de luto diferentes, cada um com suas particularidades. Vamos entender como isso acontece?

Quando a perda acontece ainda no início da vida

Esse é um luto frequentemente invisível, especialmente quando o bebê ainda não era nascido ou em gestações que ainda se encontravam bem no início.

Muitas pessoas ao redor não entendem a profundidade da dor (“era só um bebê”, “você pode tentar de novo”), mas a verdade é que os pais choram não só a criança em si, mas todos os sonhos que já haviam sido construídos em torno dela.

Aqui, o luto é marcado por:

  • memórias que não puderam ser vividas (o primeiro sorriso, os passos, as palavras);
  • a falta de reconhecimento social (muitos nem chegam a contar a gravidez ou o nascimento);
  • o silêncio ao redor da perda (como se não fosse “permitido” sofrer tanto por alguém que “mal existiu”).

É um luto único, que exige espaço para existir, mesmo quando o mundo parece querer apressar os pais para “virar a página” e, quem sabe, tentar uma nova gestação quanto antes, como se aquele bebê fosse substituível.

Perda de uma criança ou adolescente

Quando a perda acontece na infância ou adolescência, os pais enfrentam uma dor particularmente complexa.

Além do sofrimento pela ausência física, há o luto pelo potencial não realizado, ou seja, todos aqueles momentos que nunca serão vividos: a formatura, o primeiro amor, a construção de uma vida adulta. Essa dor é frequentemente acompanhada por um sentimento de injustiça profunda, já que a ordem natural da vida foi invertida.

Nas famílias, essa perda pode se tornar um terremoto emocional. Alguns casais encontram força um no outro, enquanto outros veem seu relacionamento se desgastar sob o peso da dor. Os irmãos também são profundamente afetados, muitas vezes lidando com sentimentos confusos de culpa ou abandono.

O que muitos não percebem é que esse tipo de luto raramente segue uma linha reta. Alguns dias podem ser mais leves, enquanto outros trazem uma onda de saudade que parece insuportável. Não existe um “tempo certo” para superar e cada pessoa encontra seu próprio caminho através da dor.

Perda de um filho adulto

Ainda que seu filho tenha vivido décadas, a dor da perda é esmagadora. Muitos pais relatam que, mesmo após uma vida longa e plena, a ausência dói de um jeito que palavras não conseguem descrever. Há uma sensação de injustiça: “eles deveriam ter enterrado a mim, não eu a eles.”

Para pais idosos, a solidão pode se tornar ainda mais profunda. Se o filho era um dos seus principais apoios emocionais ou até mesmo cuidador, a perda traz não só tristeza, mas também um vazio prático no dia a dia. Muitos enfrentam crises de sentido, questionando o porquê de seguirem vivos enquanto seu filho partiu antes deles.

O luto nessa fase muitas vezes é silencioso. A sociedade tende a achar que, por se tratar de um adulto, a dor é menor — mas não é. É apenas diferente.

Alguns pais encontram conforto em manter viva a memória do filho por meio de histórias, objetos ou até mesmo ações que honrem seu legado. Outros lutam contra a depressão e o isolamento, especialmente se já estiverem envelhecendo e com menos redes de apoio.

Como acolher um pai ou uma mãe em luto?

Perder um filho é uma dor que nenhum pai ou mãe deveria carregar e se você está tentando ajudar alguém que está passando por isso, já está fazendo algo importante.

Mas como fazer isso da maneira certa? Vamos falar sobre o que realmente ajuda (e sobre o que pode machucar sem querer)!

Esqueça os clichês e abra espaço para a dor

Frases como “Deus sabe o que faz”, “pelo menos ele não sofre mais” ou “você é forte, vai superar” podem soar como um convite para engolir o sofrimento. Em vez de tentar “consertar” a dor com palavras, muitas vezes o melhor é simplesmente dizer: “não sei o que dizer, mas estou aqui.”

Ouça muito mais do que fala

O luto precisa ser vivido, não racionalizado. Deixe que essa mãe ou esse pai fale sobre o filho que partiu, chore, grite ou fique em silêncio. Não interrompa, não tente mudar o assunto. Às vezes, o maior gesto de amor é segurar aquele espaço sem pressa.

Ofereça ajuda real, não só palavras

Em vez do “me avise se precisar de algo” (que muitas vezes nunca é levado a sério), tome a iniciativa:

  • “vou deixar um jantar pronto pra vocês hoje à noite.”
  • “posso levar seu cachorro para passear essa semana?”
  • “vou passar aí para ajudar a lavar a louça.”

Esses gestos concretos aliviam a sobrecarga em um momento em que até tarefas simples parecem pesadas. E é algo a se pensar, já que muitas vezes essas pessoas esquecem de si mesmas em meio à tanta dor.

Não desapareça depois do velório

O pico de apoio costuma acontecer nas primeiras semanas, mas o luto parental é uma jornada longa e solitária. Continue presente depois que as visitas diminuírem:

  • mande mensagens sem exigir resposta (“pensei em você hoje, só queria que soubesse”);
  • marque um café sem pressa, mesmo que a conversa não seja sobre a perda;
  • lembre-se de datas difíceis (aniversário do filho, Dia dos Pais/Mães).

Se manter por perto, mesmo que à distância, é uma ótima estratégia para trazer conforto àqueles que precisam em um momento tão difícil.

Respeite o tempo deles

Não force otimismo, não cobre “superação”. Algumas dores não têm cura, apenas aprendemos a viver com elas. Se a pessoa quiser ficar meses sem sair de casa, não julgue. Se um dia ela rir de algo, não comemore como se fosse um “sinal de melhora”. Só acompanhe.

E o que nunca dizer nesses momentos? Aí vão alguns exemplos:

  • “você ainda pode ter outros filhos.”;
  • “era seu único filho? Ah, então pelo menos…”;
  • “já faz X meses, você precisa seguir em frente.”.

A verdade é que não existe um manual perfeito. Às vezes, você vai dizer algo errado sem querer. Mas se estiver ali, com paciência e sem julgamentos, já fará mais do que a maioria.

E se, em algum momento, você perceber que essa mãe ou pai está travado em uma dor muito profunda, sugira ajuda profissional com delicadeza: “se um dia você quiser conversar com alguém que entende desse tipo de dor, posso te ajudar a achar um apoio?”

Quando o luto parental se torna patológico?

Em alguns casos, essa dor pode se tornar tão intensa e duradoura que passa a prejudicar seriamente a vida da pessoa. Como saber quando o luto ultrapassou os limites do saudável e se tornou patológico?

Confira alguns indicativos a seguir!

Isolamento excessivo por mais de um ano

Um dos sinais mais preocupantes é o isolamento extremo que persiste por mais de um ano. Quando a pessoa se afasta completamente do mundo, abandonando relações, trabalho e até cuidados básicos consigo mesma por um período prolongado, isso pode indicar que o luto está paralisando sua vida.

Incapacidade de falar sobre a pessoa falecida

Outro alerta vermelho é a incapacidade de mencionar o filho sem desencadear uma crise emocional intensa, seja um ataque de pânico, choro incontrolável ou até mesmo reações físicas.

É normal que a dor surja ao falar da perda, mas quando isso se torna uma barreira intransponível, impedindo qualquer menção ou recordação, pode ser um indício de que o processo não está sendo elaborado de forma saudável.

Negação da morte

Há também casos em que a negação da morte persiste por muito tempo: a pessoa age como se o filho ainda estivesse vivo, mantém seus objetos intactos como em um “quarto santuário” ou até mesmo fala dele no presente, como se a morte não tivesse acontecido.

Embora esse mecanismo de defesa seja comum no início, quando se prolonga excessivamente, pode sinalizar um luto complicado.

Se você ou alguém que você ama está passando por isso, é crucial buscar apoio psicológico especializado. Terapeutas que trabalham com luto traumático podem ajudar a processar essa dor de uma maneira que permita, aos poucos, reconstruir a vida sem que o amor e a memória do filho se percam!

O que é a Lei do Luto Parental?

Perder um bebê durante a gestação, no parto ou no período neonatal é uma experiência profundamente dolorosa, e até pouco tempo atrás, muitas famílias enfrentavam essa jornada sem o amparo adequado.

Foi pensando nisso que o Governo Federal criou a Lei nº 15.139/2024, conhecida como Lei do Luto Parental, que estabelece uma política nacional para humanizar o atendimento nesses casos.

O que muda com a Lei do Luto Parental?

Agora, mães, pais e familiares têm direitos garantidos desde o momento da perda, com medidas que visam reduzir traumas e oferecer suporte emocional e prático.

O foco aqui está em garantir acolhimento, respeito e cuidado às famílias que passam pela perda de um bebê, seja durante a gestação, no parto ou logo após o nascimento. Nesse caso, não há qualquer tipo de distinção.

Ou seja, ela busca humanizar o atendimento nos casos de luto gestacional, fetal e neonatal, reconhecendo a dor dos pais e oferecendo suporte emocional, psicológico e social. A seguir, você poderá entender mais sobre isso!

Quais são os direitos segundo a Lei?

Agora, chegou o momento de você entender quais são os direitos assegurados pela Lei para as pessoas que estão passando por dificuldades envolvendo o luto parental. Vamos lá?

Nos hospitais

Os hospitais (públicos e privados) passam a ter obrigações específicas em casos de perda gestacional ou neonatal, como:

  • acomodar mães em alas separadas das demais mamães, para evitar sofrimento adicional nesse momento;
  • permitir acompanhante durante o parto do bebê natimorto;
  • oferecer espaço e tempo adequados para a família se despedir do bebê;
  • encaminhar a mãe e a família para acompanhamento psicológico após a alta;
  • emitir uma declaração com o nome escolhido pelos pais.

Além disso, é imprescindível que todos (incluindo o bebê) sejam tratados com dignidade nesse momento. Nada de pressa ou descaso. Caso você note algo fora do esperado, registre uma ocorrência. É o seu direito!

No registro

A lei também muda a Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973). Agora, os pais têm o direito de dar nome ao bebê que nasceu morto.

Isso reconhece a existência e a identidade da criança, o que é muito importante no processo de luto. Afinal, aquele bebê é uma vida… e merece se tratado como tal.

Outras mudanças

Além disso, as mães têm direito a exames para investigar a causa da perda e a acompanhamento especial em futuras gestações. Isso é muito importante para que a família possa se planejar e ter um sentido de “fechamento” em todo esse momento.

Para muitas pessoas, a compreensão é um passo fundamental para a aceitação e superação. Ou seja: se for do desejo da família, essa investigação é recomendada e apoiada.

Outro ponto diz respeito à doação do leite materno. Ela segue sendo recomendada, desde que seja vontade da mãe e autorizada por um órgão responsável.

Por fim, Outubro passa a ser o Mês do Luto Gestacional, Neonatal e Infantil, com campanhas de conscientização.

Acabei de perder um filho. O que posso fazer para superar?

Para fechar o nosso bate-papo, é hora de falar com você, pessoa que acabou de perder alguém que tanto amava. É impossível dizer o que pode ou não ser feito para acalentar o seu coração nesse momento, mas separamos algumas dicas que podem ser úteis.

Permita-se sentir

Não tente “ser forte” ou ignorar a dor. Chorar, ficar em silêncio, sentir raiva ou até mesmo um vazio imenso são reações naturais. Você não precisa cumprir expectativas alheias sobre como “deveria” estar lidando com isso.

Busque apoio

Mesmo que seja difícil, tente não se isolar. Familiares ou amigos que possam simplesmente estar ao seu lado (sem julgamentos ou pressão) podem ser um alívio.

Além disso, conversar com outras pessoas que passaram por perdas semelhantes pode ajudar a não se sentir sozinho. E, claro, um psicólogo ou psiquiatra especializado em luto pode oferecer um espaço seguro para processar a dor.

Cuidado com cobranças

Evite frases como “preciso superar isso logo” ou “já deveria estar melhor”. O luto não é linear. E, por isso, alguns dias serão menos pesados, outros parecerão insuportáveis. Isso não é fraqueza: é humano.

Mantenha conexões simbólicas

Se achar confortável, você pode criar um ritual de despedida (escrever uma carta, plantar uma árvore em homenagem, organizar um álbum de fotos). E não se esqueça: é importante falar sobre seu filho quando quiser. Afinal, se lembrar dele é manter vivo o amor que existe, não “reviver a dor”.

Cuidado básico consigo mesmo

Tente (mesmo que em pequenos gestos):

  • beber água e comer algo leve, mesmo sem apetite;
  • descansar quando possível, pois o luto é fisicamente exaustivo;
  • evitar decisões importantes no calor das emoções.

Quando buscar ajuda urgente

Se a tristeza paralisar totalmente sua vida por muito tempo, ou se surgirem pensamentos autodestrutivos, procure ajuda profissional imediatamente. Você é importante, e sua vida merece cuidado.

Não existe “superação” no sentido de esquecer ou deixar de amar. Existe, com tempo e apoio, a possibilidade de aprender a carregar essa dor com um pouco menos de peso.

Você pode também entrar em contato com o CVV (Centro de Valorização da Vida), que oferece apoio emocional 24h pelo telefone 188 (gratuito e sigiloso).

Sua história importa. Seu filho importa. Você não está sozinho(a)!

Como você viu, o luto parental não tem prazo para acabar. E agora, graças à nova lei, as pessoas que passam por esse tipo de situação têm mais amparo e o direito de passar por esse momento com mais tranquilidade.

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